sábado, 2 de outubro de 2010

Para quem pode me ouvir sussurar. 25

Eu gostava de continuar sentada por um tempo depois de uma refeição. As garotas já estavam saindo, quando Cláudia perguntou, tocando meu ombro:

— Não vai levantar? Vamos ver um filme!

Eu estava pensando exatamente nela... Exatamente na forma doce que me tratava, enquanto as outras só queriam me comer. Enquanto ela falava, eu a observava, sorrindo. Era como se cada palavra dela passasse em câmera lenta quando ela falava diretamente comigo, e de mim. E o sorriso dela era agradável, era bonitinho de se olhar... Será que eu estava gostando mesmo dela?
Eu, então, me levantei e a segui até a sala, onde as garotas preparavam tudo para um filme de terror. Assim que soube, a pequena morena encolheu-se, resmungando alguma coisa sobre não gostar, e ter medo. É, Gabby, é a sua chance..

— Eu te protejo..— Sussurrei ao ouvido dela, segurando sua mão e sorrindo. — E se você não quiser olhar, pode se encolher no meu colo!

Ela sorriu, enquanto seu rosto se enrubescia. Sentamos ao chão, e as meninas no sofá. Quando eu vi o comecinho, os primeiros segundinhos do filme, eu já reconheci que era um dos meus prediletos! E enquanto eu olhava vidrada pra tela, Cláudia se encolhia, apertando meu braço e soltando grunhidos de medo. Até que eu a abracei, colocando-a no meu colo, e comecei a fazer carinho pelo seu braço... Admito que eu prestava atenção demais no filme, mas senti que ela estava mais calma...

O fim do filme era horrorizante, com direito a sequência e a Gabriela encolhida, assustadíssima e com cara de ovo. Que culpa tenho eu se lobisomens me dão mais medo do que estupradores da esquina?! Todas as garotas estavam em estado de choque, e umas se levantavam para ir ao banheiro enquanto outras iam dormir. Olhei no relógio, e passava da uma hora. Cláudia estava quase dormindo nos meus braços, parecia que só se mantinha acordada por uma frestinha aberta em seus olhos cansados e tão bonitos...

Quando pensei em pedir que ela se levantasse, ela já estava super confortável. Sabe aquele dó de fazer a pessoa acordar e ir andando pro quarto? Pois é! Então, ajeitei o corpo dela apoiado no sofá, e fiquei de joelhos. Assim, mesmo tendo que me esforçar um pouco, apanhei-a no colo com cuidado para evitar solavancos. Quando eu já estava em pé, ela acordou, sussurrando:

— Que você tá fazendo?

Sua voz estava sonolenta, e baixíssima...

— Fica quietinha e relaxa o corpo, vou te levar pro quarto...— Respondi, no mesmo tom de voz, enquanto sorria. — Se você ficar nervosa vai ficar mais pesada, então colabora!

Ela riu baixinho, e então abraçou meu pescoço, diminuindo meu esforço. Eu podia sentir o calor da pele dela, da respiração dela, pelo meu pescoço... E eu nunca tinha carregado ninguém, aquilo pra mim era bem difícil, e quando eu cheguei no quarto deixei-a na cama e comecei a estalar os ossos dos braços. Bianca nos observava pela porta em frente, mas não disse nada quando eu a olhei, e fechou a porta antes que eu pudesse dizer boa noite. Então, fechei a porta do nosso quarto e fui me vestir. Assim que estava com meu pijama, fiquei parada, em pé, de frente ao espelho. Eu sempre gostei de me olhar no espelho.. É uma forma de não esquecer quem nós somos.

Para quem pode me ouvir sussurar. 24

Sua voz me dava arrepios, era linda... Mas sua forma de tratar as pessoas com quem dormia quebrava todo o encanto da garota maravilhosa que ela era. Estava minimamente vestida, e andava então em direção à cozinha. Mel estava lá, com uma expressão alegre. Entre as conversas que eu e Cláudia tivemos, ela me contou que Clarice havia combinado de ficar com Mel, contanto que ninguém mais soubesse além das garotas da nossa casa, e todas já sabiam do acordo, portanto ninguém contaria aos pais ou amigos de ninguém. Depois que fiquei novamente sozinha na sala, resolvi agir. Apanhei meus documentos no quarto e uma cópia do currículo que eu havia preparado durante as aulas e fui em busca de algum emprego. Todo mundo tava tomando vergonha na cara, eu também tinha que tomar!

Eu havia passado a tarde toda entregando currículos em lojas, empresas, e etc. Uma das lojas, a última, era cheia e rodeada de árvores espinhosas e eu dei um duro do cão pra passar por todas! Voltando para casa, assim que abri a porta, dei de cara com Júlia sentada no chão, debruçada no sofá onde Cláudia estava sentada. Ambas conversavam animadamente, enquanto eu entrei e murmurei um “Olá” cansado. Nisso, Cláudia levantou-se com pressa e correu até o quarto para onde eu tinha ido, perguntando:

— E então, já sabe se tem algo garantido?
— Não, mas devem me ligar durante essa semana... Nossa, estou exausta, devo ter andado mais de um quilômetro! — Resmunguei, jogando meu corpo na cama, já sem sapatos, e amarrotando toda a camisa que eu vestia.
— É pouco, folgada! — Riu a morena, sentando-se ao meu lado. — Eu já devo ter andado uns 7, só por causa do trabalho. Ei... Que é isso no teu braço?

(Isso o que?! Que foi que ela viu? Não se desespere, não pode ser uma barata...)

Quando olhei para meu braço, havia um corte de no mínimo 10 cm e meu antebraço, que começava pouco depois do pulso e que eu não havia percebido antes. E estava manchado de sangue ao redor, quase que manchando o braço todo.

— Nossa! Como foi que eu não vi isso?!
— Sei lá, mas é melhor cuidar logo, que não deve ter parado de sangrar ainda. — Disse a garota, correndo para apanhar a caixinha de primeiros socorros que deixávamos na cozinha. Bem provavelmente por causa da adrenalina liberada graças à grande caminhada que eu havia percorrido às pressas, eu não estivesse sentindo dor até agora. Mas foi só olhar o corte, e eu senti um ardor insuportável...

Quando Cláudia chegou com a caixa, logo apanhou o anti-séptico e espirrou-o sobre o ferimento. Nossa, como aquilo ardia! Logo depois, com duas gazes, a pequena fizera um curativo, enfaixando meu braço em seguida. Mel então passara em frente à porta perguntando o que havia acontecido. Disse que era um corte que provavelmente tinha sido causado por alguma planta onde eu estava, e que estava tudo bem. Depois de enfaixada, eu ouvi Bianca chamando para o jantar. Cláudia então se levantou e estendeu a mão para que eu me levantasse também. Eu gostava do jeito que ela me tratava...
Sentadas à mesa de jantar, todas estávamos plenamente de bom humor. Sim, cada uma perguntou sobre meu braço e eu expliquei a todas de uma vez, e elas ficaram menos preocupadas. Menos Júlia, que parecia me tratar como se eu fosse uma criança, me dizendo para tomar cuidado e repetindo que ela poderia cuidar de mim. Ela deve ter repetido isso 3 vezes durante a conversa. Quando foi repetir a quarta vez, Cláudia a interrompeu, alterando levemente o tom de voz:

— Tá, mas eu cuidei dela, pronto, chega!

Bianca olhou-a com desconfiança. Júlia mal abriu a boca: apenas abaixou a cabeça, com o rosto vermelhíssimo. As outras duas meninas apenas fizeram cara de espanto, retirando seus pratos vazios. Eu era a única que não comia salada?